Movimentos em alerta sobre futuro do Haiti após saída das tropas de ocupação

O Jubileu Sul, juntamente com o Comitê Defender o Haiti, representantes do MTST [Movimento dos Trabalhadores Sem Teto], Marcha Mundial de Mulheres, moradores de comunidades carentes do Rio de Janeiro, organizações sindicais, estudantis, católicas, assim como representantes de outros movimentos sociais brasileiros, reuniram-se, nos últimos dias 22 e 23 de maio, no "Seminário nacional sobre o Haiti: construindo solidariedade”. O evento buscou unir forças e traçar estratégias em torno da luta pelo fim da ocupação militar brasileira neste país caribenho, por meio de sua liderança na Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (Minustah), que já dura 10 anos.
A mística de abertura do primeiro dia contou com frases em crioulo, língua nativa do povo haitiano, as quais afirmaram, entre outros sentimentos, que o Brasil e o Haiti são nações irmãs, parceiras no continente, não podem se agredir. Durante o segundo dia, a mística relembrou monsenhor Oscar Romero que, naquele mesmo momento, estava sendo beatificado pelo Vaticano em El Salvador, assim como recordou todos os mártires da América Latina.
A saída do Brasil: fim da ocupação do Haiti?
O seminário iniciou com a notícia de última hora sobre a possível saída das tropas brasileiras do Haiti até o fim de 2016, anunciada pelo ministro da Defesa brasileiro, Jaques Wagner. Uma pergunta, entretanto, não foi respondida: o que acontecerá com o país caribenho, considerado o mais pobre da região, após a saída das tropas?
O anúncio é considerado um grande avanço pelos movimentos participantes do Seminário. Entretanto, a informação em si não deve ser considerada como a resolução dos problemas haitianos. "Por que esperar mais um ano e meio?”, indagou aos presentes Barbara Corrales, integrante do Comitê Defender o Haiti. A resposta seria proteger os investimentos das multinacionais presentes em território haitiano (brasileiras, inclusive), mas também a realização das eleições em fevereiro de 2016, de um modo "controlado”.
Outra crítica apresentada foi em relação às palavras do ministro Wagner, quando este afirma que a retirada das tropas não se trataria de uma posição política brasileira, mas atende a uma decisão da Organização das Nações Unidas (ONU).
Smith Dort veio de Manaus, Estado do Amazonas, como o primeiro haitiano a conseguir um título de graduação em Ensino Superior na cidade. Durante sua fala no Seminário, ele agradeceu a acolhida do Brasil e o esforço das organizações da sociedade civil, que vêm ajudando seus conterrâneos, muitas destas ali presentes. Entretanto, Dort deixou claro que a saída da Minustah de seu país não é uma vitória, mas o início de um novo desafio.
"Se retirarem as tropas, o que será feito do Haiti? Não temos violência, mas, depois de 10 anos de ocupação, muita coisa mudou em meu país. Além do mais, não precisamos nos preocupar só com a questão militar, mas também com a educação no Haiti, pois, sem ela, os jovens continuarão sem conseguirem bons empregos”, observou o haitiano.
Entre as denúncias apresentadas no Seminário destaca-se o paralelo que foi feito entre a Minustah e a atuação militar nas favelas do Rio de Janeiro. A presença brasileira no Haiti estaria servindo de laboratório para o treinamento de ações de repressão e controle em comunidades carentes no Brasil, em especial na cidade-sede dos jogos olímpicos de 2016, o Rio.
Gisele Martins, moradora da favela Morro do Timbau, no Complexo da Maré, uma das áreas ocupadas pela chamada polícia pacificadora no Rio de Janeiro, explicou que está "há alguns meses fora de casa por medo da repressão policial. Nós que trabalhamos com comunicação na comunidade passamos a denunciar as agressões sofridas pelos moradores. Isso gera uma pressão psicológica e medo”, afirmou.
"Boa parte da história latino-americana é a história do imperialismo estadunidense”, afirma o historiador Miguel Borba de Sá, integrante da Rede Jubileu Sul no Rio de Janeiro e do Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul (PACS).
O Brasil, desde que assumiu a tarefa de liderar a missão estabilizadora no Haiti, agora, amarga o peso de fazer parte dessa história em nosso continente. "Todo mundo pode ser imperialista”, refletiu Borba de Sá durante sua participação no Seminário.
A ideia do então presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, em 2004, era garantir um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, aceitando o mandato (e todas as responsabilidades decorrentes) da estabilização no Haiti. Mais de 10 anos depois, essa promessa mostrou-se um grande engano.
"Quando houve o terremoto, os haitianos se autoajudaram, retirando vizinhos dos escombros, abrigando em suas casas quem perdeu tudo, oferecendo alimentação. Há denúncias de que os militares se enquartelaram, não ajudaram a população. A Minustah está no Haiti por razões econômicas, não ‘humanitárias’. E precisamos dar nomes: são empresas como Levis, Disney, Halliburton, que se aproveitam dos baixíssimos salários oferecidos no Haiti. Mas também o agronegócio, a mineração e o turismo de alto luxo ganham com a instabilidade política no país”,assinalou o membro do Jubileu Sul.
Paulo Emanuel Lopes
Adital

Nenhum comentário:

Postar um comentário