A primeira condenação no júri o advogado jamais esquece: ela lhe fere a alma!

Publicado por Canal Ciências Criminais -



Por Jean de Menezes Severo

Mais uma coluna no ar. Agradeço ao patrão velho diariamente por esta oportunidade que me foi dada por este instrumento jurídico que é o Canal Ciências Criminais, assim fico perto do meu alvo principal que são os estudantes de Direito, futuros advogados que, aos poucos, ocuparão os foros deste mundo de meu Deus, mostrando seus talentos pessoais, conhecimentos jurídicos aprendidos na faculdade pelas mãos de seus professores e, meu Deus, como eu amo ensinar, dividir, compartilhar conhecimento. No entanto, meus leitores, permitam-me, na coluna de hoje, dividir com os amigos uma tristeza das maiores que sofri em minha vida, qual seja: minha primeira condenação no Tribunal do Júri.

O advogado criminalista é um homem que deve ter a sensibilidade de antever o resultado do julgamento no qual participa como principal protagonista; na trincheira da defesa, portanto, não devemos pleitear o absurdo. Não é possível requerer uma absolvição inviável, existem, sim, causas indefensáveis e que não merecem nosso patrocínio, todavia, esteja preparado meu querido rábula, para conhecer a dor da condenação de um cliente perante o Tribunal do Júri, quando se tem a plena convicção que aquele acusado deveria ter sido absolvido e que ele mereceu nossa defesa, nossa luta em plenário.

Quando se defende, não se julga. Não fazemos um juízo de valor sobre a conduta do acusado, nós apenas discutimos se ele praticou o fato ou não, se o fato é delituoso ou não e, principalmente, demonstramos as razões que levaram o réu a praticar aquele fato e se, no passado, o acusado pode ter sido um opressor, pois hoje, no júri, ele é um oprimido e deve ter tido seus motivos que o levaram a cometer aquela ação proibida repassados aos jurados, com a maior verdade e precisão possível. Nós advogados somos apenas um instrumento que faz chegar ao Conselho de Sentença os fatos ocorridos no passado. Somos máquinas do tempo e pela mão guiamos o jurado ao local exato do crime no momento em que ele ocorreu e assim explicamos melhor os motivos que levaram o acusado a agir daquela maneira.

Era meu décimo júri e até ali eu só havia conhecido o gosto doce da vitória, da absolvição, a alegria de mandar o réu sair dali do plenário e voltar a trabalhar e, principalmente, cuidar de sua família. Não conhecia a angústia de sair da sala secreta e dizer: Tu foste condenado a uma dezena de anos na prisão. Na faculdade não nos ensinam isso e como seria bom se ensinassem…

Não era um júri impossível de ser vencido. Uma absolvição era bem viável. Estava diante de uma causa justa na minha modesta opinião de advogado iniciante e apaixonado pela tribuna do júri popular.

Meu cliente estava sendo acusado pelo Ministério Público de ter cometido um duplo homicídio, triplamente qualificado. Ele fora denunciado de ter levado a óbito o vizinho e seu filho em uma tarde de um domingo, dia de GRE-NAL, numa vila pobre da capital do Rio Grande do Sul.

Porém, deixo claro aos leitores que aquele homicídio começou a ser consumado trinta dias antes daquele trágico domingo. As esposas da vítima e do réu, que dividiam o mesmo terreno invadido, haviam discutido por um espaço a mais no varal de roupas que ficava no pátio à disposição de todas as famílias que ali residiam. A vítima, que estava em casa, tomou as dores da esposa e ofendeu a mulher do réu e veio a jogar suas roupas ao solo, sendo este o “starter”, para aquele duplo homicídio triplamente qualificado.

Que loucura! Um homicídio começar assim, por causa de roupas no varal! Mas, na maioria das vezes, é sempre assim: por roupas no varal, por um veículo colocado na vaga errada, por uma inocente briga de crianças… Nós somos seres humanos e não somos tão racionais quanto esperamos. Não raras vezes resolvemos mal situações do cotidiano que poderiam ser findadas com uma simples conversa.

À noite, quando o acusado regressou da lida do seu ofício de pedreiro, a esposa lhe contou o ocorrido, porém, implorou que o réu nada fizesse, que pensasse nos filhos e que o fato já havia passado. O acusado aceitou os argumentos e naquele dia nada fez, contudo, a semente da discórdia já estava plantada na alma do pobre homem.

Depois que a esposa contou a respeito da briga, meu cliente parou de cumprimentar todos que residiam na casa da vítima e olhares ameaçadores começaram a surgir de ambos os lados, mas sem nenhuma ameaça velada até aquele domingo de GRE-NAL.

Fico às vezes pensando se, vítima e réu torcessem pelo mesmo time, aquele homicídio talvez não tivesse ocorrido, mas quis o destino que cada um torcesse por um time diferente, o que foi fatal para aquela tragédia dominical.

O jogo se iniciava às 16 horas e ambos os lados começaram o aquecimento cedo, à base de pinga e cerveja, aguardando aquele jogo fatídico. Na hora da partida, vítima e réu já estavam “loucos”. Bastou um gol para que as provocações começassem, palavras desconexas, gritos de provação de ambos os lados e todo o resto. Veio, então, o gol de empate, mais uma rodada de trago e, por fim, o gol da vitória do time da vítima, que foi inventar de comemorar na frente da casa do acusado, que foi suficiente para que o autor fosse até o quarto e pegasse seu revólver trinta e oito, que estava sobre o guarda-roupa, disparasse duas vezes contra a vítima e o restante das balas do tambor contra o filho da vítima, que contava com apenas dezesseis anos na época. Ambos tombaram ao chão mortos naquele final de jogo.

O acusado foi preso em flagrante e seu júri ocorreu cerca de um ano e meio depois. Defendi-o de graça, mas com a mesma força e ânimo habituais. Sou apaixonado pelo o que faço e confesso que o dinheiro é o que menos conta em minha profissão. Infelizmente, realizei o júri para fazer apenas o plenário com a instrução já findada, no entanto, tinha convicção da absolvição do acusado.

Trabalhei como nunca naquele júri. A Promotora de Justiça foi perfeita em sua acusação. E mulher, quando dá para ser boa acusadora em plenário do júri, sai da frente! Ela foi à réplica. Eu à tréplica. Debates findados. Fomos à sala secreta. Um voto sim. Um não. Um sim. Um não. Outro voto não. Um sim e, por fim, o último voto um sim, que veio a condenar o réu por 4×3.

Confesso que, a partir dali, não sentia mais o chão, o ar faltou. Lembro que a condenação foi de pouco mais de vinte anos de reclusão. O caminho da sala secreta que se fazia em poucos segundos até o salão do júri, transformou-se em longos quilômetros. O olhar do acusado me perguntando: E daí doutor? Ainda não me sai da memória, dia triste, e por mais louco que possa parecer, fui consolado pelo meu próprio cliente. Disse ele: Ninguém faria melhor doutor. Chorei. Foi um golpe duro naquele humilde advogado. Depois das palavras de conforto, o réu apenas pediu que não o abandonasse e que fizesse todos os recursos possíveis e que cuidasse de sua execução criminal. Assisti-o até sua progressão de regime.

Mas, sempre vai ficar na memória aquela derrota tão sofrida, ainda mais, por um placar tão apertado. Alguma coisa devo ter feito errado, alguma coisa deixei passar. Algum jurado deve ter ficado fora da minha atenção. Nunca vou saber o que aconteceu, mas, depois daquele dia, passei a ser mais vigilante, a fim de eu não viesse a passar por aquela experiência novamente.

Depois daquele júri, mais três condenações vieram, porém setenta e duas absolvições me acompanharam nestes anos e me acalmam a alma, demonstrando que estou no caminho certo e que nunca vou me acostumar a ter um réu condenado.

Perder nunca é bom, mas, necessário.

Fonte: Canal Ciências Criminais

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