Bactérias da Antártica produzem substâncias anticancerígenas

ANTARTICA
Bactérias que vivem no entorno das raízes de uma gramínea que só ocorre na Antártica apresentaram ação anticancerígena. Essa ação foi comprovada no trabalho de doutorado do biólogo Leonardo José da Silva, orientado pelo pesquisador da Embrapa Meio Ambiente (SP) Itamar Soares de Melo. Em sua tese, defendida em agosto na Universidade de São Paulo (USP), Silva estudou a planta Deschampsia antarctica, da qual extraiu os micro-organismos que vivem em sua rizosfera (região das raízes).

Cientistas selecionaram um grupo de bactérias associadas a essa gramínea, as actinobactérias, reconhecido por produzir uma gama de substâncias bioativas e com comprovado potencial para gerar produtos antitumorais. Desse material, Silva identificou e caracterizou os compostos responsáveis pela atividade antitumoral e avaliou a identidade taxonômica (classificação) de algumas linhagens para descrição de possíveis novas espécies de actinobactérias.
Esses micro-organismos apresentam também o potencial de inibir e controlar a bactéria fitopatogênica Agrobacterium, responsável pela formação de tumores em plantas e que tem causado severos danos a várias culturas de importância agrícola. O controle da Agrobacterium tem sido muito difícil e as actinobactérias são capazes de produzir antibióticos para uso na agricultura. Além disso, essas mesmas bactérias têm apresentado forte atividade contra o fungo Pythium aphanidermatum, um importante agente de doenças de plantas agrícolas.
Ambientes adversos geram moléculas interessantes

Somente duas espécies de plantas vasculares são encontradas naturalmente na Antártica: Deschampsia antarctica e Colobanthus quitensis, popularmente chamadas de gramínea antártica e mosto de pérolas, respectivamente. Silva conta que vários grupos de pesquisa procuram decifrar os processos adaptativos dessas espécies vegetais, bem como explorar os potenciais biotecnológicos ligados à sobrevivência de plantas em condições adversas. A Deschampsia antarctica forma pequenos cristais de gelo na superfície das suas folhas sob frio extremo e apresenta forte tolerância à radiação ultravioleta.

Estima-se que cerca de 50% dos agentes anticancerígenos utilizados atualmente têm origem em plantas e micro-organismos e entre eles as actinobactérias se destacam pela versatilidade metabólica e pela produção de compostos com atividade bactericida, fungicida, algicida e anticâncer. A maior parte dos fármacos apresenta atividade contra a proliferação das células tumorais, e abordagens recentes procuram selecionar agentes bioativos específicos para inibição da vascularização de tecidos tumorais, ou seja, que afetem o fornecimento de sangue das células doentes. Em busca de alternativas de combate, cientistas têm buscado novos recursos microbianos em habitats intocados, principalmente em ambientes extremos, os chamados extremófilos, que geralmente produzem substâncias raras.

As amostras foram coletadas durante a 33ª Operação Antártica. Na época, em dezembro de 2014, poucas áreas com solos livres de gelo foram encontradas. O período foi escolhido por ser época de brotamento das espécies vegetais e de aumento da atividade biológica da região.

Conforme Silva, 30 linhagens de actinobactérias produtoras de substâncias bioativas foram selecionadas para produção de substâncias antitumorais. O doutorando identificou e caracterizou os compostos responsáveis pela atividade antitumoral e avaliou a identidade taxonômica (classificação) de todas as linhagens por meio do sequenciamento do DNA e outros métodos. Ele demostrou que grande parte dessa diversidade é formada por novas espécies e, entre elas, a recém-descrita Rhodococcus psychrotolerans sp. nov. Também foram encontradas outras espécies novas dos gêneros Nocardia e Streptomyces.
Bactéria inibe crescimento de tumor

Uma linhagem, identificada como Streptomyces sp. CMAA 1527, apresentou forte atividade antiproliferativa das células cancerosas em condições de laboratório para tumores de mama, pulmão, rim e sistema nervoso central. Uma das substâncias químicas identificadas como responsável por esses efeitos é a cinerubina B.

A CMAA 1527 inibiu completamente o crescimento das linhagens de células tumorais, apresentando maiores efeitos sobre a linhagem de células cancerígenas chamada MCF-7. Além disso, apresentou também efeitos antitumorais em outros tipos de células, como a linhagem HaCaT, evidenciando grande potencial de utilização em outros tipos de tumores malignos.

Após os testes, várias actinobactérias foram consideradas promissoras para produção de compostos antitumorais, e passarão agora por ensaios antiproliferativos e caracterização dos agentes ativos, responsáveis pelas propriedades de inibição.

Os trabalhos de pesquisa continuam com ensaios para descobertas de novas bactérias da Antártica e estudos dos mecanismos de ação dos compostos produzidos por elas. Os cientistas também estão catalogando actinobactérias até então desconhecidas da ciência.

As linhagens usadas no trabalho foram cedidas pelo Instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos (NCI) e a linhagem celular de queratinócitos humanos HaCaT (não tumoral), pelo professor Ricardo Della Coletta, da Faculdade de Odontologia de Piracicaba da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Sob a supervisão do pesquisador da Embrapa Itamar Soares de Melo, a pesquisa foi desenvolvida no escopo de projetos coordenados pela professora do Instituto Oceanográfico da USP Vivian Helena Pellizari e pelo professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Luiz Henrique Rosa. Também participaram os professores da USP Luiz Alberto Moraes e Ana Lúcia Tasca Ruiz, e Valéria Maia de Oliveira, da Unicamp.

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