O Poder Judiciário e os concursos públicos

É de conhecimento geral que o aparelhamento da “máquina” pública demanda mão de obra qualificada, afinal de contas, para a consecução dos princípios regentes da Administração Pública, descritos no art. 37 da Constituição Federal: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, é necessário que se busque o melhor e mais bem preparado material humano.
Ademais, dispõe o inciso II do mesmo artigo que:
“a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração”
Até aqui podemos concluir que:
A contratação de mão de obra para a Administração Pública deve ser feita por intermédio de concurso público;
O certame deve observar os princípios orientadores da Administração Pública.
Pois bem! Sabemos, ainda, que a mão de obra a ser contratada deve ser qualificada. Daí a justificativa para o alto grau de dificuldade impresso nos editais para contratação de servidores. Teoricamente, busca-se o melhor interesse para a Administração, a qual, a pretexto de observar as normas que a regem tem o dever de escolher o melhor maquinário e o material humano.
Poder-se-ia depreender que os editais, por lei, deveriam ser pautados pela lisura e seriedade, não dando azo a questionamentos, nulidades ou eventual favorecimento.
Mas não é o que acontece, infelizmente.
Muito se ouve sobre a falta de moralidade nos concursos públicos hoje em dia. Mas não é só!
Existem - e com uma recorrência assustadora - casos onde certames públicos são desperdiçados por falta de conhecimento da lei ou dos princípios da Administração.
Mas não podemos prosseguir antes de fazer uma pequena digressão sobre o Regime Jurídico Administrativo, ou seja, “prerrogativas e sujeições”.
Em termos gerais, o Regime Jurídico caracteriza-se por uma situação onde se verificam prerrogativas para a Administração Pública, como o prazo em dobro para recorrer e em quádruplo para contestar. Seria uma espécie de “vantagem” para possibilitar a consecução da finalidade pública (consignando-se que, tal instituto é mal interpretado não só pela população em geral, como pelos responsáveis pela gestão pública).
Mas não só vantagens tem a Administração Pública.
Em termos gerais dizemos que “o que não é proibido é permitido”, ou seja, o que não está vedado na lei é possível de se fazer.
Em se tratando de Administração Pública essa definição é um pouco diferente: “só é permitido fazer o que a lei determina”.
Daí falarmos em sujeições. A Administração se sujeita a certas vedações legais ao livre comportamento. Um exemplo disso é, na maioria dos casos, a vedação da contratação direta sem licitação. É um procedimento que deve ser observado, conforme a lei 8666/93.
De posse dessas informações chegamos ao conceito de mérito administrativo, ou seja, a margem de escolha, dentro da lei, que a Administração Pública tem para um determinado ato administrativo.
Mas por qual razão foi feita tal digressão?
Para enquadrar o Poder Judiciário em toda essa história. Não é possível o controle judicial do mérito administrativo, ou seja, se a Administração, dentro da lei, tem o direito de escolher “essa” ou “aquela” medida, não pode o Juiz determinar qual seria mais vantajosa para o bem comum.
Mas, a partir do momento em que se extravasa essa margem, aí entra o Controle Judicial.
Não é pouco comum percebermos tais abusos em se tratando de concurso público: contratação sem concurso, preterimento de candidatos, não nomeação de candidatos aprovados dentro no número de vagas, subjetividade ilegal em avaliações psicológicas, etc.
O que se percebe é que cada vez mais a questão do “melhor interesse de administração” está sendo deixada de lado. A impessoalidade e moralidade também.
Muitas vezes anos de preparação são jogados no lixo por pura arbitrariedade. Não há respeito pelo candidato e pelo cidadão, destinatário final da mão de obra qualificada que poderia oferecer aquele que se preparou – e muito bem – para certames cada vez mais difíceis.
A lesão praticada pelo Administrador em se tratando de concursos públicos é algo que extravasa a relação com o candidato, apenas. Ela afeta a todos nós, pois engessa a máquina pública e proporciona a perda de milhões de reais que poderiam ser bem investidos em outras áreas.
Assim, essas questões não podem e não devem ficar fora da apreciação do Judiciário, por terem, em muito, extravasado o mérito administrativo.
É preciso, destarte, uma atuação firme e que vise, em um primeiro momento, o bem coletivo, entendendo que nem sempre a alegada “conveniência da Administração” está revestida dos requisitos legais.
Portanto, por tudo o que foi explicitado, cada vez mais se faz necessário o Controle Judicial do Concurso Público.

Carla Moradei Tardelli
Advogada, membro da Associação dos Advogados do Estado de São Paulo, graduada em Direito pela Universidade Paulista em 2008. Pós graduada em Direito de Família pela Escola Paulista da Magistratura – EPM. Professora em Cursos Jurídicos Preparatórios. Graduada em Psicologia pela PUC/SP em 1988, atuando por 21 anos, junto às Varas de Família e Sucessões e Infância e Juventude do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Leandro Souto da Silva
Advogado, membro da Associação dos Advogados do Estado de São Paulo, graduado em Direito pela Universidade São Judas Tadeu em 2006. Professor em Cursos Jurídicos Preparatórios. Atuou como Assistente Judiciário e Escrevente Técnico Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo por seis anos, com lotação em Vara de Família e Sucessões.

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