Uso de drogas, tráfico e tráfico privilegiado. Você, cidadão, sabe as diferenças legais básicas?

Este artigo tem como público alvo a população no geral e seu intuito é explicar de forma objetiva as principais diferenças entre o uso de drogas (usuário), o tráfico e o “dito” tráfico privilegiado, nos termos da lei, sobretudo demonstrando alguns resultados práticos que podem ocorrer na aplicação de penas, decorrentes dessas diferenças.
  Todas essas modalidades de delito são previstas em uma lei específica, qual seja a 11.343/2006, conhecida como Lei de Drogas, responsável por estabelecer normas para repressão da produção e tráfico ilícito de substâncias entorpecentes.
I. Uso de drogas (usuário).
O uso de drogas é um delito previsto no art. 28 da Lei de Drogas, abaixo transcrito:
Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:
I - advertência sobre os efeitos das drogas;
II - prestação de serviços à comunidade;
III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
§ 1o Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.
§ 2o Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.
§ 3o As penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 5 (cinco) meses.
[omissis]
  Nota-se que ao contrário do que pensam muitas pessoas, o usuário de drogas é sim penalizado e, em que pese a pena não ser privativa de liberdade (vamos aqui entender como cadeia), o indivíduo que porta, guarda, semeia para consumo próprio – a menos que a autoridade competente não cumpra com seu dever funcional (o que também é crime) – “será fichado” e eventualmente cumprirá as sanções previstas nos incisos I, II e III do art. 28, acima transcrito.
  Também é importante destacar - ao contrário do que muitas pessoas pensam - que a Lei em comento não prevê uma quantidade específica de drogas a serem apreendidas para o indivíduo ser taxado como usuário ou traficante. A previsão legal é apenas que seja uma pequena quantidade, mas o que seria “pequena quantidade”? Pois bem, isso normalmente fica à critério do Delegado, do Ministério Público na figura do Promotor de Justiça e da autoridade judiciária, em caso de apreensão, eventual denúncia e processamento.
  Além da quantidade ser pequena, para que a pessoa seja enquadrada como usuário de drogas é necessário verificar as circunstâncias que envolvem a apreensão das substâncias. Vocês já devem ter escutado que: "cada caso é um caso...", isso é verdade!
  Suponhamos um rapaz flagrado portando pequena porção de drogas. Por conseguinte, pergunta-se: ele também possuía razoável quantidade de dinheiro “picado”, balança, contatos, caderneta, material para acondicionamento, entre outros? Verifica-se que a pequena quantidade apreendida, por si só, não é suficiente para afastar eventual incursão do cidadão no crime de tráfico e não como usuário de drogas.
II. Tráfico de drogas (traficante).
Já o tráfico de drogas está previsto no art. 33, caput (caput é a "cabeça" do artigo apenas, sem eventuais parágrafos e incisos) da Lei de Drogas e seu respectivoparagrafo 1ºº, vejamos:
Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.
§ 1o Nas mesmas penas incorre quem:
I - importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas;
II - semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas;
III - utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas.
  De forma simplificada, caso o indivíduo não seja incurso como usuário de drogas, certamente será processado por tráfico.
  Pergunta-se: qual a diferença, Doutor?

  A diferença principal é “básica”: o tráfico de drogas é crime apenado com pena de 5 a 15 anos e isso muitas vezes significa: cadeia.

  Existem três tipos de regimes para o cumprimento dessas penas: fechado, semiaberto e aberto. A incursão do réu em cada um deles dependerá da quantidade de pena que o juiz escolherá na sentença (entre 5 a 15 anos).

1. Se a pena for de 8 anos ou mais, será cumprida no regime inicial fechado, ou seja, “cadeia no nível hard”, em estabelecimento de segurança máxima ou média;

2. Se a pena do condenado, não reincidente (grife-se: não reincidente), for entre 4 e 8 anos, poderá (grife-se novamente a palavra: poderá) ele cumpri-la em regime semiaberto. Isso também significa: prisão, entretanto em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar. Aqui a justiça “dá um crédito” e o condenado pode trabalhar durante o dia e eventualmente frequentar cursos. Trabalhar neste caso significa reduzir um dia de pena a cada três dias trabalhados!

3. Se a pena for inferior a 4 anos, o condenado poderá iniciar o cumprimento de dela no regime aberto. Mas atenção, regime aberto não significa isenção de sanção! Neste regime o condenado cumpre a pena em casa de albergado, cujas limitações são muito menores e permanece no local apenas para dormir e aos finais de semana, exigindo-se ainda trabalho regular ou demonstração que ele possui condições de ir para o mercado de trabalho. Muitas vezes, na prática, isso significa que o condenado “vai pra casa”, mesmo porque, dado o fato de muitos locais não possuírem esse tipo de estabelecimento, o condenado acaba sendo “obrigado” a cumprir essa pena no domicílio, pois a justiça não pode a ele impor uma sanção mais severa do que a que ele tem direito.

  Mas Doutor, se o juiz me condenou em uma pena que seja de regime fechado, eu nunca vou para o aberto?!

  Certamente irá, entretanto, existem regras para que seja possível progredir de um regime para o outro, e não pode pular nenhum! Ou seja: é do fechado para o semiaberto e do semiaberto para o aberto ou do semiaberto para o aberto, mas se fizer coisa errada, corre o risco de voltar tudo!

  Nesta hora a Lei De Drogas tem influência! O crime previsto no art. 33, caput e parágrafo 1º, tráfico, é equiparado a hediondo: “oi?!” Hoje isso significa que o incurso neste crime poderá progredir de regime apenas depois de cumprir 2/5 da pena se ele for réu primário ou depois de cumprir 3/5 da pena, se for reincidente. Bastante não? Sim! Se o crime não fosse equiparado a hediondo, a progressão seria bem mais rápida! Isso será facilmente observado abaixo, quando trataremos do chamado tráfico privilegiado.

III. Tráfico privilegiado.

  O tráfico privilegiado é na verdade uma causa de diminuição de pena, constante no parágrafo 4º do art. 33 (tráfico) já mencionado. Não existe “tráfico privilegiado” na legislação e sim tráfico, sendo que em dada circunstância ele terá sanções “mais leves”, vejamos o que diz a lei:

Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

[omissis]

§ 4o Nos delitos definidos no caput e no § 1o deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa. (Vide Resolução nº 5, de 2012)

  O parágrafo quarto é uma espécie de “privilégio” que poderá (não obrigatoriamente) ser concedido ao condenado primário, de bons antecedentes, que não se dedique às atividades criminosas, nem integre o crime organizado.

  Neste caso, cumpridos esses requisitos, que serão minuciosamente analisados pelo juiz, caso a caso, a pena poderá ser diminuída de 1/6 a 2/3.

  Por exemplo: o condenado a uma pena base de cinco anos, poderá ter aplicada uma redução de 1/6 da pena.

  Doutor o que isso significa de modo mais prático? Significa que ele poderá progredir de regime mais rápido por conta da diminuição da pena ou até mesmo ser condenado diretamente em regime aberto!

  Outro ponto de extrema importância que também é um “privilégio”, é que a justiça tem entendido que o parágrafo 4º do art. 33 não é considerado um crime equiparado a hediondo! Em termos práticos, significa dizer que o condenado no art. 33, com incidência do parágrafo 4º, poderá progredir de regime após cumprir 1/6 da pena! Ou seja, de forma muito mais célere do que aqueles que cumprem a pena como incursos no art. 33 ou § 1º (do mesmo artigo), sem a incidência do parágrafo 4º, que precisariam de 2 ou 3/5 para progressão de regime de cumprimento de pena.

  Explicitada a diferença entre os delitos mencionados, fica mais fácil também de notar a importância da defesa técnica na redução de impacto à restrição de liberdade do acusado no processo penal.


Victor GanzellaPROAdvogado, Pós-Graduando em Direito Constitucional e Eleitoral (USP)
Profissional com escritório nas Cidades de Piracicaba e São

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