Processo administrativo de trânsito e o efeito suspensivo dos recursos


A aplicação de multas, abertura de processo administrativo de suspensão ou cassação do direito de dirigir tem se avolumado nos mais diversos órgãos de trânsito municipais, estaduais e federais. Entretanto, também, tem se verificado na prática muito pouco emprenho destes mesmos agentes públicos em cumprir as obrigações legais antes de impor qualquer penalidade ao cidadão.Desde já, cabe responder ao propósito deste artigo: Entrei com recurso administrativo, as multas são suspensas? SIM! Pelo menos é o que a Lei e o entendimento dominante nos Tribunais dizem. Além das multas, as demais penalidades também devem ficar suspensas, como a pontuação e eventual abertura de processo administrativo de suspensão ou cassação da da CNH.
De outro modo, não precisa ser um jurista para concluir que, se um agente imputa um fato a outrem (o Estado acusa o cidadão de ter cometido uma infração), e esse fato pode ser modificado, ou anulado, eis que depende de uma decisão futura, não faz sentido cobrar antecipado consequências advindas deste fato sem antes confirmá-lo. Não há se que cobrar por algo que ainda não se tem certeza.
Agora passamos ao conteúdo técnico.
Primeiramente, para que o condutor ou proprietário do veículo possa entrar com recurso contra uma autuação ou multa ele deve ficar atento aos prazos para interpor os recursos.
Alguns pontos de destaque, à saber.
Multa e autuação (não se confundem).
Autuação é o ato no qual um agente público (devidamente legitimado para a fiscalização de trânsito) lavra o auto de infração de trânsito, instrumento formal que imputa um fato descrito como infração em face do condutor ou proprietário do veículo, dando início ao procedimento administrativo. Pode-se dizer que a autuação é o primeiro ato formal do procedimento administrativo, o ato que inaugura o processo administrativo.
Multa é a penalidade prevista na legislação para àquele que cometeu a infração. É a consequência. Tem origem após a confirmação do auto de infração, embora deva permanecer suspensa até decisão final da JARI ou CETRAN, como veremos a seguir. Portanto, quando popularmente se diz "tomei uma multa", não é bem assim, já que ela (multa) somente advém, de fato, na segunda fase do processo administrativo, na segunda notificação, caso confirmado a regularidade da autuação (que ocorre na primeira fase).
Assim, podemos concluir que não existe multa imposta de imediato ou de forma automática!
Toda autuação ou multa é um ato do poder público e todo ato do poder público deve fielmente seguir a Lei sob pena de nulidade, neste caso, em especial o nosso Código de Trânsito Brasileiro - CTB (Lei n. 9.503/97) e as Resoluções do Contran (Conselho Nacional de Trânsito).
Toda autuação, por mais leve que seja a infração, deve passar por um processo ou procedimento administrativo para verificação de sua legalidade pela autoridade de trânsito. É o que dispõe o art. 281 do CTB. Portanto, em toda multa cabe recurso!
Passamos adiante, adentrando no procedimento administrativo.
Feita a autuação e lavrado o auto de infração de trânsito (AIT), nasce o processo administrativo.
O órgão de trânsito tem o prazo de até 30 dias da data do fato (autuação) para expedir uma notificação ao proprietário do veículo. Esta é a primeira fase, oportunidade em que o condutor pode apresentar a defesa da autuação, que será protocolada, endereçada e julgada pelo próprio órgão de trânsito responsável pela autuação na esfera da competência estabelecida pelo CTB e dentro de sua circunscrição (art. 281, CTB), normalmente o Detran/Ciretran, DER, PRF, Dnit, DEER etc.
Vale ressaltar que o condutor (ou proprietário do veículo, portanto, uso a denominação ‘condutor’ como termo genérico neste artigo), de todas as decisões, e da própria autuação, deve receber a notificação, sob pena de nulidade do próprio processo administrativo.
Nesta primeira etapa também cabe à indicação de condutor nas autuações sem a abordagem do veículo (sem a identificação do condutor na autuação).
Caso a defesa da autuação não tenha êxito, ou mesmo não foi apresentada, mantendo, assim, a autuação do condutor ou proprietário do veículo, a multa é imposta! É aqui que de fato nasce a multa (mesmo vale se fosse em processo para suspensão ou cassação da CNH). Vale dizer, a infração é confirmada em desfavor do cidadão, mas, como já adiantamos, de forma provisória.
E desta decisão de confirmação da infração o condutor deve ser notificado novamente, onde tem a oportunidade para, desta vez, elaborar recurso que será dirigido à JARI (Junta Administrativa de Recursos de Infrações).
Ressalte-se que esta segunda notificação, chamada de notificação de imposição de multa, é obrigatória, sob pena de nulidade de todo o procedimento administrativo, ainda que o proprietário do veículo não apresente defesa da autuação.
Pontos de destaque aqui:
Caso o interessado (condutor devidamente identificado ou proprietário) não apresente recurso à JARI o procedimento administrativo será encerrado, não cabendo nenhuma outra forma de questionamento na via administrativa. Encerrado o processo administrativo a multa será imposta e exigida para pagamento vinculado ao veículo.
Caso o interessado opte por recorrer junto à JARI, o processo seguirá ativo, gerando direitos e obrigações para ambas as partes (cidadão vs. Estado). Vejamos na sequência.
O procedimento administrativo é gratuito, não há qualquer cobrança de taxas para interpor recursos ou requerimentos, nem mesmo há necessidade de ser representado por um advogado, basta que o cidadão tenha legitimidade (basicamente: condutor identificado na autuação ou proprietário do veículo).
É nesta fase, quando o interessado resolve não pagar a multa e interpor o recurso junto à Jari, que o efeito suspensivo deve ser anotado e aplicado pela administração pública (pelo menos deveria).
Caso o recurso à JARI também não tenha êxito, novamente, o condutor será notificado da decisão e poderá recorrer ao CETRAN (Conselho Estadual de Trânsito). Esta é a última instância administrativa.
Ou seja, a multa não pode ser cobrada antes de decisão final nos autos, seja pela Jari, seja pelo Cetran.
Entretanto, aqui devemos tecer algumas considerações sobre o tema, que merecem a devida atenção.
O grande problema na prática em aplicar ou não o efeito suspensivo pelos órgãos de trânsito é à ausência de uma norma expressa no Código de Trânsito Brasileiro, de forma que discipline a matéria de forma clara e abrangente sobre todo o processo dos recursos administrativos, ou seja, de modo a não gerar interpretações, ou mesmo que o exercício de interpretação do conjunto legislativo e constitucional seja feito pelas repartições públicas, que, por óbvio, serão sempre em desfavor do cidadão.
Vejamos a coisa toda de forma mais técnica.
Partindo, agora, do "oposto" sobre o tema, para que assim melhor possamos entender o raciocínio para onde pretendemos chegar.
Com efeito, havendo débitos pendentes sobre o veículo, há expressas determinações legais no sentido de impedir o seu licenciamento, neste sentido é o que determina art. 128 e 131, § 2º, ambos do Código de Trânsito Brasileiro, in verbis:
“Art. 128. Não será expedido novo Certificado de Registro de Veículo enquanto houver débitos fiscais e de multas de trânsito e ambientais, vinculadas ao veículo,independentemente da responsabilidade pelas infrações cometidas.
Art. 131. O Certificado de Licenciamento Anual será expedido ao veículo licenciado, vinculado ao Certificado de Registro, no modelo e especificações estabelecidos pelo CONTRAN. (...) § 2º O veículo somente será considerado licenciado estando quitados os débitos relativos a tributos, encargos e multas de trânsito e ambientais, vinculados ao veículo, independentemente da responsabilidade pelas infrações cometidas.” (g.m.)
Verifica-se que os mencionados dispositivos legais são taxativos no sentido de que somente será considerado licenciado o veículo se todos os débitos estiverem integralmente quitados, incluindo-se nestes os referentes às multas de trânsito, independentemente da responsabilidade pelas infrações cometidas.
Todavia, tal entendimento não se coaduna com as garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa, previstas no artigo , inciso LV da Constituição Federal (“aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;”). E aqui já estamos diante do fato: exercício de interpretação de leis vs princípios, o que pode ser um problema na prática quando quem decide é o próprio órgão de trânsito quem aplicou a multa. Mas, continuemos.
Tampouco, com o artigo 286 do Código de Trânsito Brasileiro, que assim dispõe in verbis:
“Art. 286. O recurso contra a imposição de multa poderá ser interposto no prazo legal, sem o recolhimento do seu valor.” (g.m.)
Ademais, o Código de Trânsito Brasileiro ainda prevê as seguintes situações:
"Art. 284. O pagamento da multa poderá ser efetuado até a data do vencimento expressa na notificação, por oitenta por cento do seu valor.

(...)
§ 3º Não incidirá cobrança moratória e não poderá ser aplicada qualquer restrição, inclusive para fins de licenciamento e transferência, enquanto não for encerrada a instância administrativa de julgamento de infrações e penalidades.
[Aqui merece destaque o parágrafo terceiro acima, que deixa claro sobre o efeito suspensivo acerca do processo administrativo, o que muitos órgãos de trânsito parecem desconhecer ou simplesmente o ignoram.]
§ 4º Encerrada a instância administrativa de julgamento de infrações e penalidades, a multa não paga até o vencimento será acrescida de juros de mora equivalentes à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic) para títulos federais acumulada mensalmente, calculados a partir do mês subsequente ao da consolidação até o mês anterior ao do pagamento, e de 1% (um por cento) relativamente ao mês em que o pagamento estiver sendo efetuado."
Agora vejamos o único parágrafo da lei (ou ponto chave da questão), e ao mesmo tempo o parágrafo seguinte (com franqueza: para inglês ver), no qual normalmente os órgãos de trânsito usam de fundamento para não conceder o efeito suspensivo aos recursos, citando-o de forma isolada. Vejamos:
"Art. 285. O recurso previsto no art. 283 será interposto perante a autoridade que impôs a penalidade, a qual remetê-lo-á à JARI, que deverá julgá-lo em até trinta dias.
§ 1º O recurso não terá efeito suspensivo.

(...)
§ 3º Se, por motivo de força maior, o recurso não for julgado dentro do prazo previsto neste artigo, a autoridade que impôs a penalidade, de ofício, ou por solicitação do recorrente, poderá conceder-lhe efeito suspensivo.
Para não perdermos a conclusão vamos arrematar os demais artigos sobre a matéria, após volto a discorrer sobre o artigo acima (285) e seus parágrafos.
"Art. 288. Das decisões da JARI cabe recurso a ser interposto, na forma do artigo seguinte, no prazo de trinta dias contado da publicação ou da notificação da decisão."
" Art. 290. Implicam encerramento da instância administrativa de julgamento de infrações e penalidades:
I - o julgamento do recurso de que tratam os arts. 288 e 289;
II - a não interposição do recurso no prazo legal; e
III - o pagamento da multa, com reconhecimento da infração e requerimento de encerramento do processo na fase em que se encontra, sem apresentação de defesa ou recurso.
Parágrafo único. Esgotados os recursos, as penalidades aplicadas nos termos deste Código serão cadastradas no RENACH."
Assim, pode-se concluir que há garantia de se recorrer das multas de trânsito, independentemente de seu recolhimento, caracterizando, assim, o condicionamento do licenciamento há adimplência de todos os débitos como ilegal, enquanto houver recursos administrativos pendentes de julgamento.
Evidente que a redação dada na legislação de trânsito é muito ruim e não trata as questões práticas de forma objetiva, note-se que o parágrafo primeiro do artigo 285 é totalmente contraditório com o parágrafo terceiro do artigo 284, eis que este último diz claramente que sobre o licenciamento não pode haver restrição, inclusive para fins de licenciamento e transferência enquanto não for encerrada a instância administrativa de julgamento de infrações e penalidades.
Para concluir!
Portanto, de rigor, não se pode exigir o pagamento de multas, enquanto pendentes de julgamento na esfera administrativa, para fins de licenciamento do veículo, sob pena de se negar vigência ao artigo , inciso LV da Constituição Federal e ao artigo 286 do C.T.B., que dispensa o recolhimento da multa para se recorrer da mesma.
Ressalte-se, ainda, que a cobrança de multa de trânsito deve se pautar nos preceitos legais, não podendo ser um instrumento de coerção ao exercício de um direito, como é o de licenciar um automóvel, eis que a Administração Pública tem meios próprios para efetuar tal cobrança.
E, finalmente, insta observar que estando as multas pendentes de julgamento, não estão, portanto, consolidadas, inclusive podendo o resultado ser favorável ao cidadão.
Fonte: Lei nº 9.503 de 23 de Setembro de 1997 (CTB); decisoes do Tribunal de Justiça de São Paulo e Superior Tribunal de Justiça.
Precisando de ajuda para recorrer de multas de trânsito? Entre em contato.
e-mail: tiago.recursoadm@gmail.com

Tiago CippolliniPRO
Especialista em processo administrativo de trânsito.
Sou especializado no direito administrativo de trânsito, na elaboração de recurso contra multas, suspensão ou cassação da CNH. Se precisar de ajuda, pode entrar em contato. WhatsApp: +55.19.9 9788 8971 e-mail: tiago.recursoadm@gmail.com

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