O nome de José Carlos Conceição, hoje bordado em um jaleco branco junto ao símbolo de psicologia, só foi registrado aos 16 anos, quando ele foi resgatado das ruas de Salvador, Bahia. Nascido em Pedrinhas, cidade interiorana de Sergipe, o porteiro de 61 anos teve uma trajetória de vida difícil até conseguir concluir a educação básica. Pode ter demorado mais do que o que ele gostaria, mas hoje José é estudante e estagiário de psicologia. Só na adolescência José teve a oportunidade de entrar em uma sala de aula pela primeira vez. Iniciou os estudos por meio do Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral), mas teve que deixar a escola de lado para trabalhar pelo seu sustento. Mesmo distante das aulas, o sergipano encantava-se com os livros e amava ler gibis. E foi assim que aprendeu a ler, por esforço próprio e ajuda de pessoas próximas. Foram muitas tentativas de continuar os estudos. Em 2020, José Carlos matriculou-se na Nova Educação de Jovens e Adultos (EJA) do Serviço Social da Indústria (SESI), modelo com ensino mais flexível, em que 80% do curso pode ser feito a distância, o que ajudou o porteiro a conciliar o trabalho com a escola. Após as 22 horas, horário de menos movimentação no condomínio, o morador que passasse pela portaria veria José com um livro na mão. Ele aproveitava cada minuto livre para focar nos estudos. Com 10 meses de dedicação, concluiu a educação básica e não parou. Se desafiou a fazer a prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e o esforço foi compensado: ele conquistou uma bolsa de 64% para cursar psicologia. Dos 120 nomes da lista, José Carlos é o aluno com mais idade. Ele faz parte dos 18,9 mil estudantes universitários com idades entre 60 e 64 anos, segundo Censo da Educação Superior 2021, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep).
Depois do choque, um encontro de gerações Nas apresentações do primeiro dia de aula, conta que ficou surpreso com a idade dos colegas de turma. “Foi um choque de gerações. Via os estudantes levantando a mão ‘tenho 17’, dizia um, ‘tenho 18’, dizia outro. Pensei ‘caramba, não vai ter ninguém com 30, 40, não?” Apesar da timidez nos trabalhos em equipe, o que surpreende, pois José gosta de falar e faz isso muito bem, a diferença de idade não atrapalha a interação com os colegas. Sente-se muito acolhido por todos. Conta que é disputado quando há formação de equipes e que basta uma mensagem de “preciso de ajuda” no grupo da turma no WhatsApp para que todos sejam solícitos. Como um aluno dedicado, senta-se nas fileiras da frente. Dessa forma, consegue prestar mais atenção. É uma boa estratégia também para manter-se acordado, confessa. O porteiro, que faz escala 12 horas de trabalho por 36 de descanso, sai do trabalho às 7 horas e vai direto para a faculdade. “Nós que temos certa idade, temos que ter mais cautela, prestar atenção, porque é tudo muito novo, é quase uma existência sem estudar, sem frequentar um ensino normal. Além disso, você não pode ficar ali perdendo tempo, porque está saindo do seu bolso”, ressalta.
O primeiro jaleco a gente nunca esquece
José Carlos já está no terceiro semestre da faculdade e começou a fazer estágio supervisionado. Nas aulas práticas, ele veste o jaleco. “Olhava para o jaleco, para o meu nome com aquele emblema bonitão, escrito ‘psicologia’. A minha felicidade é a mesma de uma criança quando pede um presente de natal e o recebe”, brinca e solta um sorriso ao se recordar, com muito carinho, desse dia. No estágio supervisionado, José observa o atendimento de um psicólogo e não deixa de imaginar o dia em que ele conduzirá um atendimento.
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