El Niño pode causar colapso na produção de castanha-do-pará

Por Gabriel Gama - A possível ocorrência de um forte El Niño neste ano pode comprometer um dos principais produtos da bioeconomia da Amazônia: a castanha-do-pará. A preocupação parte de produtores e pesquisadores que viram um colapso na produção da última vez que o fenômeno, que traz seca para a floresta, se formou no planeta. O El Niño que ocorreu entre 2015 e 2016, o mais intenso dos últimos 50 anos, causou o declínio de 37% da produção do fruto na safra seguinte, em 2017, em comparação à média observada no período de 2010 a 2019. Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) são válidos para a Amazônia brasileira, mas o aumento da temperatura e a diminuição das chuvas também afetaram a produção nos outros países por onde a floresta se estende, como Bolívia e Peru. Um grupo de cientistas observou de perto essa dinâmica na reserva extrativista do Rio Cajari, no sul do Amapá. O local possui os maiores castanhais conhecidos e monitorados da região e já havia uma parceria estabelecida com a comunidade de coletores. Os pesquisadores, coordenados por Marcelino Guedes, engenheiro florestal da Embrapa-AP, analisaram dados meteorológicos de 2007 a 2018, assim como a produção de castanhas em duas porções de nove hectares da reserva nesse mesmo período. A ideia era investigar se as alterações climáticas trazidas pelo El Niño – o aquecimento acentuado e periódico das águas do Oceano Pacífico – poderiam ser a causa da queda na produção de castanhas. Logo eles perceberam que as variações anuais na temperatura e na quantidade de chuva afetavam a frutificação no ano seguinte, mas a chegada do fenômeno elevou os impactos a outro patamar. A ocorrência do El Niño provocou o aumento de 2 ºC na temperatura máxima das áreas analisadas, e o chamado verão amazônico, época de estiagem que ocorre habitualmente ao longo de três meses, entre setembro e novembro, se estendeu por seis meses em 2015, segundo dados de uma estação do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) localizada a 121 quilômetros da reserva extrativista. “Em Macapá, na capital, a gente passou mais de 100 dias sem ter uma gota de chuva”, lembra Guedes. O pesquisador explica que a combinação da baixa precipitação com aumento da temperatura derrubou a produção de castanha-do-pará na safra seguinte, em 2017, uma vez que o processo de maturação dos frutos dura em torno de 15 meses. Na reserva do Rio Cajari, a produção de castanhas por árvore foi oito vezes mais baixa que em 2015 e duas vezes menor que a média geral, de acordo com os cálculos do estudo. Os resultados foram publicados no ano passado na revista Acta Amazonica, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).

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