Ex-marido terá de pagar aluguel a ex-mulher por uso exclusivo de imóvel do casal



“Na separação e no divórcio, sob pena de gerar enriquecimento sem causa, o fato de certo bem comum ainda pertencer indistintamente aos ex-cônjuges, por não ter sido formalizada a partilha, não representa automático empecilho ao pagamento de indenização pelo uso exclusivo do bem por um deles, desde que a parte que toca a cada um tenha sido definida por qualquer meio inequívoco.”
O entendimento é da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), tomado em julgamento de recurso especial no qual uma mulher, após ajuizar ação de divórcio, pediu a fixação de aluguel pelo uso exclusivo do único imóvel do casal pelo ex-marido.

O Tribunal de Justiça do estado entendeu pela inviabilidade da indenização. Segundo o acórdão, “enquanto não levada a efeito a partilha dos bens pertencentes a ambos os cônjuges ou ex-cônjuges, os quais se mantêm em estado de mancomunhão, não é cabível fixação de indenização ou aluguel em favor da parte que deles não usufrui”.

Condomínio

Verifica-se a existência do condomínio quando mais de uma pessoa tem o exercício da propriedade sobre determinado bem. Serve como suporte didático o conceito de Limongi França, segundo o qual o condomínio “é a espécie de propriedade em que dois ou mais sujeitos são titulares, em comum, de uma coisa indivisa (pro indiviso), atribuindo-se a cada condômino uma parte ou fração ideal da mesma coisa”. (LIMONGI FRANÇA, Rubens. Instituições de direito civil. 4. Ed. São Paulo: Saraiva, 1996. P. 497.)

Na situação condominial vários são os sujeitos ativos em relação ao direito de propriedade que é único, o que justifica a utilização dos termos copropriedade e compropriedade. Didaticamente, pode-se dizer que no condomínio duas ou mais pessoas têm os atributos da propriedade (GRUD) ao mesmo tempo.

Nesse contexto de dedução, a respeito da estrutura jurídica do condomínio, entre os clássicos, leciona Washington de Barros Monteiro que o Direito Brasileiro adotou a teoria da propriedade integral ou total. Desse modo, há no condomínio uma propriedade “sobre toda a coisa, delimitada naturalmente pelos iguais direitos dos demais consortes; entre todos se distribui a utilidade econômica da coisa; o direito de cada condômino, em face de terceiros, abrange a totalidade dos poderes imanentes ao direito de propriedade; mas, entre os próprios condôminos, o direito de cada um é autolimitado pelo de outro, na medida de suas quotas, para que possível se torne sua coexistência”. (MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil brasileiro. Direito das Coisas. 37. Ed. Atual. Por Carlos Alberto Dabus Maluf. São Paulo: Saraiva, 2003.)

Assim sendo, o condomínio não tem natureza contratual, sendo regido pelos princípios do Direito das Coisas. Apesar da falta de previsão literal, o condomínio pode ser enquadrado no inc. I do art. 1.225 pela menção que se faz à propriedade (copropriedade).

No STJ, a decisão foi reformada. Segundo o relator, ministro Raul Araújo, uma vez homologada a separação judicial do casal, a mancomunhão, antes existente entre os ex-cônjuges, transforma-se em condomínio, regido pelas regras comuns da compropriedade e que admite a indenização.

“Admitir a indenização antes da partilha tem o mérito de evitar que a efetivação dessa seja prorrogada por anos a fio, relegando para um futuro incerto o fim do estado de permanente litígio que pode haver entre os ex-cônjuges, senão, até mesmo, aprofundando esse conflito, com presumíveis consequências adversas para a eventual prole”, destacou o ministro.

Raul Araújo ressalvou, entretanto, que o reconhecimento do direito à indenização exige que a parte devida a cada cônjuge tenha sido definida por qualquer meio inequívoco. Ele acrescentou, ainda, não se tratar de um direito automático, devendo as peculiaridades do caso concreto ser analisadas pelas instâncias de origem.

“É atribuição das instâncias ordinárias determinar quem é a parte mais fraca da lide a merecer devida proteção; quem está procrastinando a efetivação da partilha e que, portanto, deve sofrer as consequências adversas de seus atos; se o pagamento da indenização ou o uso exclusivo do bem representa prestação de alimentos in natura, etc”, explicou o relator.

Aluguel e alimentos

Como se sabe, o impacto da culpa em relação aos alimentos já era menor com o CC/2002 do que no sistema anterior da Lei do Divórcio. Isso porque, em regra, pelo sistema anterior, o cônjuge culpado pelo fim da relação não podia pleitear alimentos do inocente, eis que o inocente poderia pleitear do culpado, dentro do binômio possibilidade/necessidade (arts. 19 a 23 da Lei 6.515/1977).

No tocante ao cônjuge inocente, o sistema foi mantido, prevendo o art. 1.702 do CC que “Na separação judicial litigiosa, sendo um dos cônjuges inocente e desprovido de recursos, prestar-lhe-á o outro a pensão alimentícia que o juiz fixar, obedecidos os critérios estabelecidos no art. 1.694”.

A atual codificação privada alterou significativamente o tratamento em relação ao cônjuge declarado culpado na separação judicial que, em regra não pode pleitear alimentos do inocente (art. 1.704, caput, do CC). Todavia, como exceção, o culpado tem direito aos alimentos indispensáveis à sobrevivência (denominados alimentos necessários ou naturais), conforme preceitua o art. 1.694, § 2.º, do CC. Isso, se não tiver parentes em condições de prestá-los, nem aptidão para o trabalho (art. 1.704, parágrafo único, do CC).

Com a emergência da Emenda do Divórcio, fica em dúvida a manutenção de tais dispositivos no sistema de Direito de Família brasileiro, podendo ser apontadas três correntes doutrinárias.


→ A primeira, a que estão filiados Paulo Lôbo, Rodrigo da Cunha Pereira e Maria Berenice Dias, entre outros, sustenta que diante da impossibilidade total de discussão de culpa no casamento, tais dispositivos estão totalmente revogados. Sendo assim, os alimentos devem ser fixados de acordo com o binômio necessidade/possibilidade, ou com o trinômio necessidade/possibilidade/razoabilidade.

→ A segunda corrente admite a discussão do conteúdo de tais comandos legais, mas apenas em ação autônoma de alimentos. Assim, não houve revogação das normas do Código Civil de 2002 citadas. Esse é o entendimento de José Fernando Simão, conforme obra anterior escrita com este autor.

→ Por fim, a terceira corrente argumenta pela possibilidade de discussão da culpa na ação de divórcio, podendo a questão de alimentos ser definida na própria demanda ou em ação autônoma, a critério dos cônjuges. Do mesmo modo da corrente anterior, não houve revogação dos dispositivos destacados.

Percebe-se, portanto, o surgimento de mais uma questão polêmica relativa à Emenda do Divórcio, cujo debate pela civilística nacional deve ser incrementado nos próximos anos.

O ministro também ponderou sobre a indenização pelo uso exclusivo do bem por parte do alimentante. Segundo ele, a fixação do aluguel pode influir no valor da prestação de alimentos, uma vez que afeta a renda do obrigado, devendo as obrigações ser reciprocamente consideradas.

No caso apreciado, o valor do aluguel será apurado em liquidação, na quantia correspondente a 50% do valor de mercado de aluguel mensal do imóvel, deduzidas as despesas de manutenção do bem, inclusive tributos incidentes, e será pago a partir da ciência do pedido.

Fonte: Superior Tribunal de Justiça.

Processo: O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

LÔBO, Paulo. Divórcio: alteração constitucional e suas consequências. Disponível em: < http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=570 >. Acesso em: 12 fev. 2010; PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Divórcio. Teoria e Prática. Rio de Janeiro: GZ, 2010. P. 120; DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 6. Ed. São Paulo: RT, 2010. P. 518-519.

TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito Civil. Direito de Família. 5. Ed. São Paulo: Método, 2010. V. 5, Capítulo 7.

Nesse sentido: LÔBO, Paulo. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008. P. 151; SIMÃO, José Fernando. Efeitos patrimoniais da união estável. Direito de Família no Novo Milênio. Estudos em homenagem ao Professor Álvaro Villaça Azevedo. Chinellato, Simão, Fujita e Zucchi (Coords.). São Paulo: Atlas, 2010. P. 351.

Raphael FariaPRO

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