Pesquisadores adaptam fossa séptica biodigestora para áreas inundáveis


Foto: Bruna Rocha

Na Ilha das Cinzas, cravada na fronteira entre o Pará e o Amapá, pesquisadores e comunidade conseguiram adaptar um modelo de fossa séptica biodigestorasuspensa, com resultados tão promissores quanto os observados na versão tradicional, que é enterrada para que o solo atue como isolante térmico. A pequena ilha do arquipélago do Marajó foi o berço do primeiro experimento adaptado para atender a áreas inundáveis do estuário do Rio Amazonas, onde o nível da água varia diariamente em função das marés oceânicas. O sistema evita contaminação dos mananciais e ainda gera adubo para pequenos produtores.
A iniciativa, que abre caminho para o emprego do sistema em outras regiões similares, atraiu a atenção do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), vinculado ao Ministério do Meio Ambiente e integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama). O ICMBio estuda instalar unidades da fossa séptica biodigestora na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Itatupã-Baquiá, no Município de Gurupá (PA), do qual a Ilha das Cinzas faz parte.

Instaladas no primeiro semestre de 2016 na ilha, as unidades da fossa séptica biodigestora, tecnologia desenvolvida pela Embrapa Instrumentação (SP), receberam o emprego de metodologias diferenciadas, com o uso do tradicional esterco bovino para potencializar a biodigestão anaeróbia e também um produto biológico comercial. Duas unidades da fossa séptica biodigestora receberam o esterco bovino como inoculante, mas não foram enterradas conforme preconiza o modelo original, a fim de evitar variações de temperatura. As caixas de polietileno foram instaladas suspensas a um metro do chão, sobre um tablado de madeira.

As tampas das caixas, que no processo tradicional recebem camadas de tinta preta para melhorar a absorção de calor, não precisaram dessa ajuda extra. Com temperatura média em torno dos 30 graus Celsius, as fossas instaladas na ilha não receberam a pintura e não foram enterradas.

Em avaliação realizada no último mês de julho, o engenheiro civil e analista da Embrapa Instrumentação Carlos Renato Marmo observou que as adaptações para adequar a tecnologia à região alagada não interferiram no resultado. “Testes preliminares indicam que as três unidades instaladas estão funcionando adequadamente, o que comprova a viabilidade econômica e operacional da tecnologia para áreas alagadas.”

De acordo com Marmo, as áreas de várzea podem ser problemáticas para o funcionamento da fossa séptica biodigestora, porque dificilmente a tecnologia poderá ser semienterrada. “A elevação do nível da água no solo, decorrente da maré, pode causar interferências na temperatura do biodigestor, prejudicando a atuação biológica. Tratava-se, portanto, de um desafio a ser superado.”

O analista ainda explica que, diante das condições de pH, temperatura, tempo de detenção e concentração de matéria orgânica, o processo biológico de fermentação trata o esgoto e produz um biofertilizante, também chamado de efluente, que é indicado para ser aplicado na agricultura como fertirrigação, por conter nutrientes como nitrogênio, fósforo e potássio. “A aplicação de efluente de esgoto tratado no solo complementa o tratamento do esgoto, evitando o lançamento em corpos d´água ou locais inadequados”, afirma.

Análises preliminares do efluente das fossas demonstraram que as adaptações estão cumprindo o papel de manter a digestão dos materiais fecais presentes no esgoto doméstico e, pelo processo de biodigestão anaeróbia, descontaminá-lo e transformá-lo em adubo orgânico.

Desenvolvimento sustentável
A estudante do 9º semestre de engenharia ambiental da Universidade do Estado do Amapá (UEAP) Bruna Rocha de Oliveira explica que as análises realizadas no Laboratório de Saneamento Ambiental da Universidade Federal do Amapá (Unifap) mostram redução da carga orgânica e da concentração de sólidos no efluente. As avaliações foram conduzidas com base em três das cinco coletas de efluente e deverão ocorrer a cada três meses.
"A tecnologia se mostra viável para a região pelo baixo custo e praticidade na construção, bem como pela eficiência que essa fossa tem mostrado nas demais regiões em que foi instalada. Na adaptação feita para as áreas de várzea do estuário amazônico, o resultado já está sendo positivo, pois a população menciona a ausência de odores e alguns estão usando o efluente biofertilizante para irrigar pequenas plantações", avalia Bruna.
A estudante atua como estagiária da Embrapa Amapá (AP), no projeto "Desenvolvimento comunitário sustentável no estuário amazônico", liderado pelo pesquisador da Embrapa Amapá Marcelino Carneiro Guedes. O projeto, que tem a parceria da Associação dos Trabalhadores Agroextrativistas da Ilha das Cinzas (Ataic) e é apoiado com recursos de quase R$ 1 milhão da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), visa a fomentar soluções tecnológicas para melhorar as condições de saneamento, de energia e das atividades produtivas de famílias da comunidade agroextrativista Ilha das Cinzas.
Além de readequar unidades da fossa séptica biodigestora, a Embrapa Instrumentação integra o estudo com o desenvolvimento de um método de tratamento da água do Rio Amazonas para abastecimento de comunidades ribeirinhas.
Desenvolvido pelas equipes dos dois centros de pesquisa da Embrapa que atuam no projeto, o sistema de filtração lenta, com pré-decantação e processo de desinfecção com clorador de pastilhas para retirar o sedimento da água do Rio Amazonas e eliminar organismos patogênicos, está se apresentando como uma alternativa viável para a comunidade.
Além das três fossas que iniciaram o funcionamento no ano passado, um terceiro piloto entrou em operação em julho, usando dessa vez como inoculante o lodo de várzea.
De acordo com Marmo, que também é supervisor do Setor de Gestão da Implementação da Programação de Transferência de Tecnologia, sistemas de baixo custo e com potencial para implementação em pequenos núcleos populacionais representam uma alternativa de tratamento de esgoto doméstico, como é o caso da Ilha das Cinzas, onde 50 famílias faziam uso de banheiro do tipo casinha, com o esgoto sendo despejado diretamente na várzea.
Para o pesquisador Marcelino Carneiro Guedes, a parceria com a Embrapa Instrumentação está sendo fundamental para adequar o sistema de saneamento básico da ilha. “Já são nítidas algumas mudanças em relação ao próprio uso do efluente, que é outra grande vantagem da fossa. Além de toda a questão de saúde pública que está ajudando a resolver os problemas relacionados a doenças transmitidas por água contaminada, existe essa possibilidade de uso do efluente, que é um adubo excelente. Eles estão bastante empolgados, porque estão percebendo que pés de açaí que não produziam passaram a dar frutos ao receber o efluente”, revela.
Usuária de um dos sistemas de saneamento básico instalado na ilha, Antonia Sabrina Barbosa Malheiros diz que a tecnologia é uma excelente alternativa para as comunidades amazônicas, principalmente as que se localizam no arquipélago do Marajó. “Contribuem para a diminuição de agentes contaminantes que causam diversas doenças à população. Estamos felizes por estar ajudando a construir e adaptar novas tecnologias para a área de saneamento rural em áreas de várzea. E mais ainda, pela oportunidade e disposição dos pesquisadores em buscar a solução de problemas que tanto afligem nossa população”, afirma a moradora, que já se tornou monitora do projeto.
Guedes conta que a tecnologia está se expandindo na região a ponto de algumas famílias já manifestarem interesse por instalar a fossa modelo Embrapa por conta própria, mesmo sem o apoio financeiro de órgãos de fomento.

Foco na reserva
Administrada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), a Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Itatupã-Baquiá deverá instalar pelo menos três unidades da fossa séptica biodigestora entre o final de setembro e o início de outubro. A instalação vai ocorrer durante a retomada dos cursos de capacitação de manejo de açaizal, realizado em parceria com a Embrapa Amapá.
Após participar de uma oficina e da instalação da tecnologia na Ilha das Cinzas, em julho, o chefe da RDS, Pedro Alves Vieira, avaliou que o sistema de saneamento básico rural é o mais apropriado para a região de várzea, como é o caso das ilhas de Gurupá, onde está localizada a reserva.
Com mais de 65 mil hectares, a RDS abriga 309 famílias, que despejam o esgoto doméstico direto no rio. Por isso, o chefe da RDS acredita que é fundamental a implantação de sistema de saneamento básico na comunidade.
“Profissionais do serviço de saúde relatam que a principal causa de doenças na região é causada por vermes. Então, entendemos que a água não tratada é a vilã da transmissão; tratada, ela pode trazer melhoria de qualidade de vida para todos da comunidade”, diz Vieira.
Segundo ele, a comunidade considerou interessante o custo muito baixo da tecnologia, se comparado com qualquer outro que eles usam na região. “É um sistema que pode ser adaptado para as embarcações de transporte de passageiros”, sugeriu.
A RDS é uma unidade de conservação brasileira de uso sustentável da natureza, criada por Decreto Presidencial em 14 de junho de 2005, no Munícipio de Gurupá, na região Marajoara, Estado do Pará. A região do Itatupã e Baquiá é formada por sete comunidades ribeirinhas.

Princípio de funcionamento
Fossas sépticas biodigestoras seguem os princípios dos biodigestores asiáticos e das câmaras de fermentação de ruminantes, como os bovinos. Assim como no estômago multicavitário do animal, a fossa séptica biodigestora também é composta de várias câmaras ou caixas de fibrocimento, em que o esgoto doméstico − fezes e urina − passa pelo tratamento anaeróbio.
Os chamados pré-estômagos dos ruminantes têm a função de reter o alimento nesses segmentos para que ocorra fermentação por meio da ação dos microrganismos. No primeiro dos quatro estômagos dos ruminantes, os microrganismos digerem as fibras produzindo açúcares e ácidos orgânicos, que são assimilados pelo animal para obter energia. O rúmen funciona como uma usina de transformação.
Assim, a partir dessas observações, o médico-veterinário Antonio Pereira de Novaes, falecido em 2011, criou a fossa séptica biodigestora ao concluir que o esterco bovino, rico em microrganismos, era capaz de digerir os materiais fecais presentes no esgoto doméstico. No modelo tradicional, o esterco é adicionado uma vez por mês, misturado com água na caixa receptora das fezes e urina.
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