Winter is coming: um cruel "inverno" se aproxima para a execução penal



Por Carlos Abreu

É um fato inegável que ele cumpre uma função social básica. O que enfocamos nesse estudo é a questão do porquê e do para quê do castigo, assim como dos limites do direito de castigar. Simplesmente nem tudo é válido. (ALCÓN TELLA, 2008).
Os arautos da república a cada entrevista ou manifestação pública veiculada nos levam a crer que nosso país adotará a máxima do “quanto pior melhor” no que diz respeito à execução penal. A enxurrada de más notícias neste campo já no início do novo governo causa desconforto, desconfiança e insegurança em quem estuda e milita tanto no Direito Penal, como no Processual Penal e na Execução penal.

Winter is coming...
Se já não bastasse aos rotulados de “indesejáveis” da sociedade estarem cumprindfo suas penas ou aguardando seus julgamentos em masmorras de darem inveja aos “Lordes dos Sete Reinos"[1], veem os governantes, seus tutores em última instância, dando-lhe as costas e dando às costas às leis e, principalmente, à Constituição.
O ex-(vice) presidente Michel Temer quebrou uma tradição ao não publicar o decreto anual de indulto, conhecido popularmente como “Indulto Natalino”. Para tal, usou argumentação pífia de que o correto seria aguardar a decisão final do Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5874 proposta pela Procuradora-Geral da República Raquel Dodge. Mera cortina de fumaça. Quando tomou essa decisão já tinha conhecimento de que o resultado do julgamento estava definido pela improcedência da ADI, tendo votado assim os Ministros Alexandre Moraes, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio Melo, Gilmar Mendes e o decano Celso de Mello.
Basta um acompanhamento superficial do noticiário político nacional para perceber que a decisão infundada buscou agradar ao futuro ocupante do Palácio da Alvorada, a King’s Landing[2] tupiniquim. Este, sempre que suscitado a falar sobre o sistema penitenciário e o caos que assola o setor afirma peremptoriamente que no governo dele não haverá concessão de indulto e que a solução miraculosa e de grande criatividade é: construir mais presídios (sic).
Importante observar que o indulto é previsto no Código Penal em seu artigo 107, inciso II e também na Lei de Execução Penal em seu artigo 187 e seguintes. Também oportuno dizer que desde 1988, ano da promulgação da nossa Carta Magna o decreto de indulto vinha sendo editado nos meses de dezembro, mesmo quando era o último mês de um ciclo presidencial, ou seja, José Sarney, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, Lula, Dilma Roussef e o próprio Temer assinaram decretos de indulto.

Winter is coming...

Mas não paramos por aí. O importante é piorar ao máximo possível.

O “super” Ministro da Justiça Sérgio Moro alçado à condição de paladino da sociedade brasileira, logo que aceitou o cargo, concedeu entrevista à Revista IstoÉ na qual aventou a possibilidade de endurecer o sistema adotando algumas medidas polêmicas (ou insanas), dentre elas: a extinção das visitas íntimas, o fim das saídas temporárias e a mudança nas regras da progressão de regime.
Bem, eu sei que para que essas ameaças se concretizem (sim não há outro termo para definir essas intenções) leis alteradoras terão que ser propostas, votadas e aprovadas através do processo legislativo legítimo. Nenhum problema para o “Tywin"[3] brasileiro. O loteamento de cargos garante ao governo, pelo menos no início de mandato, maioria nas casas legislativas e assim a quase certeza de aprovação de todas as propostas apresentadas pelo Poder Executivo.
Socorro-me de artigo publicado pelo professor Salo de Carvalho (1998) em 2008 em que diagnostica uma patologia das reformas penais pela “absoluta ausência de estudo prévio de seus efeitos”.
Afirma, com autoridade, que as reformas que são propostas seguem sempre dois eixos centrais: a) projetos para responder casos emergenciais; b) projetos baseados em sistemas dogmáticos idealizados por notáveis. Crítica que permanece atualíssima, pois assim continuam legislando nossos representantes. De afogadilho ou de conveniência.
Adotar medidas agravadoras da punição imposta durante o cumprimento da pena causará, sem nenhuma sombra de dúvidas, um agravamento do ambiente cataclísmico dos presídios brasileiros. Passará a inequívoca mensagem de que não há regras a serem cumpridas, ou que se há, estas são maleáveis dependendo da vontade dos “senhores do reino”. Mudar as regras de um jogo com ele em andamento gera insegurança, no caso, insegurança jurídica.
Winter is coming...
Mas a quem serve um clima de ebulição e de revolta nos presídios do país?
Quais os interesses podem ser atendidos por essas propostas de retrocesso de um sistema absolutamente falido e desacreditado?
Como agirão os governos no enfrentamento das possíveis rebeliões originadas pelo descontentamento diante da adoção de medidas drásticas como as pensadas?
Não se deve tratar assunto tão importante como é o destino de milhares de brasileiros com devaneios e medidas que regridam os avanços das últimas décadas no que diz respeito à inserção de garantias e de respeito aos direitos fundamentais no trato dispensado às pessoas privadas de liberdade.

Winter is coming...

Não podemos aceitar que se acrescente às péssimas condições de sobrevivência nos presídios brasileiros novas regras limitadoras ao que poderia ser visto como lento e gradual processo de reinserção na sociedade de um indivíduo que tenha cometido uma infração penal.
Não temos como entender que pessoas sem preparo, técnico e psicológico, decidam sobre essa questão tão sensível aos governos e tão caro à população que se vê constantemente assombrada pelo potencial lesivo que representa uma “cadeia” em convulsão.
Não devermos ser silentes e cordatos neste momento sob pena de legitimarmos mais uma vez o adágio popular que diz que “um povo de cordeiros sempre terá um governo de lobos”
Winter is coming...

O “inverno” se aproxima. E promete ser longo.

Canal Ciências Criminais

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