Houve um aumento desses eventos nos últimos anos. De acordo com o levantamento, entre 2019 e 2023, 1.026 pessoas morreram nesses desastres – seis vezes o número de vítimas nos cinco anos anteriores (entre 2014 e 2018). O pico de 2022 se deu com a ocorrência dos desastres de Petrópolis (fevereiro) e da região metropolitana do Recife (abril). Em 2023, a maior parte das mortes ocorreu em São Sebastião (fevereiro) – um terço dos registros foi lá – e nos municípios gaúchos (setembro e novembro).
Mas o indicador que mais chama atenção pela sua relação com as mudanças climáticas talvez tenha sido o aumento, nos últimos anos, dos prejuízos econômicos, tanto públicos quanto privados. No ano passado, os prejuízos públicos foram de R$ 11,3 bilhões e os privados, de 13,7 bilhões – a maior parte em um único setor, a agricultura, que acumulou
R$ 10 bilhões em perdas. “Fica evidente, nesses dados, a necessidade da adaptação às mudanças climáticas, tanto do poder público quanto dos setores econômicos. A agricultura precisa se adaptar. As reconstruções que terão de ser feitas precisam ser adaptadas a esses grandes eventos”, comenta Luiz.
Das chuvas intensas à seca extrema
Na outra ponta dos eventos extremos que afetaram o Brasil no ano passado, um estudo divulgado nesta quarta-feira (24) revelou que a seca severa que atingiu a Amazônia – a pior do registro histórico, com rios chegando aos níveis mais baixos em 120 anos, foi 30 vezes mais provável de ocorrer por causa das mudanças climáticas. O fato de o planeta estar mais quente foi muito mais importante para o que aconteceu na região do que, por exemplo, a ocorrência do El Niño, como cientistas brasileiros já vinham alertando no ano passado. Identificar a relação entre um evento específico com as mudanças climáticas é uma coisa que até outro dia era meio tabu entre cientistas da área, justamente porque a variabilidade natural climática pode explicar muita coisa. É normal um ano mais chuvoso que outro, uma seca extrema aqui, outra ali. Coisas que acontecem de quando em quando, uma vez por século, uma vez a cada 300 anos. É difícil de pronto dizer que aquilo foi diferente porque o planeta está diferente. Mais seguro avaliar séries históricas, e elas também revelam muita coisa. Com essas análises, já é possível ver com segurança que eventos antes raros estão não só mais frequentes como também mais intensos. E isso é resultado da mudança do clima. Só que está acontecendo tanta coisa, em tudo quanto é canto do mundo, que pesquisadores se debruçaram em tentar explicar o que está por trás de tantas tragédias. Tornaram-se mais comuns os chamados estudos de atribuição, que ajudam muito a entender que o clima está mudando basicamente em tempo real. Este trabalho lançado nesta quarta, feito por pesquisadores ligados à organização World Weather Attribution (WWA), viu exatamente isso na Amazônia. Esse tipo de seca excepcional ocorre a cada 350 anos, mas o clima mais quente fez com que ela se tornasse 30 vezes mais possível de ocorrer. A ocorrência do fenômeno natural do El Niño, que começou a se manifestar a partir de meados do ano passado, em geral traz seca para a Amazônia, mas o que os pesquisadores observaram é que o cenário só se tornou tão extremo porque a temperatura mais quente em todo o planeta reduziu ainda mais a quantidade de chuvas e aumentou a evaporação do solo. Só o El Niño não é capaz de responder a todo o estrago. E isso traz um sinal ainda mais preocupante para o futuro da Amazônia, porque a estimativa dos cientistas climáticos é que a temperatura deve subir ainda mais nos próximos anos. De acordo com Regina Rodrigues, que é pesquisadora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e faz parte do WWA, boa parte da seca extrema da Amazônia se deu sobre áreas ainda bastante preservadas, o que ajuda a fragilizar mais uma floresta já afetada por outras ameaças, como desmatamento, retirada de madeira e fogo. Isso tudo junto aumenta o risco de a floresta alcançar o chamado ponto de não retorno – situação-limite que cientistas estimam que pode acontecer se a floresta for desmatada e degradada a ponto de não conseguir mais prestar os serviços ambientais que presta, como a produção de chuva e a absorção de gás carbônico. Nesse cenário, se o clima continuar aquecendo e secando a floresta, só conter o desmatamento não vai salvá-la. E, se ela deixar de absorver carbono, o aquecimento global só vai piorar, aumentando a seca na Amazônia e as chuvas no Sul do país. Acho que nem precisa desenhar, né?
Giovana Girardi
giovana.girardi@apublica.org
Chefe da Cobertura Socioambiental
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